O Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) concedeu uma liminar que obriga a Prefeitura do Natal a realizar uma Consulta Prévia, Livre e Informada (CPLI) com a comunidade tradicional da Redinha antes de dar sequência ao projeto de remodelação do complexo turístico local. A decisão, inédita no Rio Grande do Norte, representa um marco ao reconhecer o direito da comunidade de decidir sobre as intervenções em seu território.
A medida foi tomada após o Ministério Público Federal (MPF) recorrer ao TRF5, depois que a Justiça Federal no RN negou a liminar solicitada em maio deste ano. O projeto em questão abrange obras no mercado público, na construção de novos quiosques da praia e em espaços destinados às embarcações, áreas que afetam diretamente a rotina de pescadores artesanais, marisqueiras, barraqueiros e pequenos comerciantes, que compõem a comunidade tradicional da Redinha.,
O desembargador federal Walter Nunes, ao proferir a decisão, enfatizou que “desde o início da intervenção estatal, deveria ter sido realizada a Consulta Livre, Prévia e Informada (CLPI) como condição para qualquer deliberação sobre medidas que afetem a comunidade e/ou seu território”. Ele destacou que devem ser discutidas medidas consensuais para a readequação do Complexo Turístico da Redinha, visando respeitar os direitos e a cultura local.
A comunidade tradicional da Redinha, composta por ribeirinhos, pescadores e pequenos empreendedores locais, é reconhecida como tradicional pela União, mas não foi consultada previamente sobre o projeto. A reforma do mercado público, que já foi concluída após sucessivos atrasos, aconteceu sem o consenso dos moradores e comerciantes, que foram deslocados sem assistência adequada. Além disso, a demolição dos antigos quiosques, que ainda não foram reconstruídos, gerou mais desconforto e incertezas para os trabalhadores locais.
O procurador da República, Camões Boaventura ressaltou que a decisão do TRF5 tem grande importância, já que é a primeira vez que uma decisão judicial na Justiça Federal do RN reconhece a necessidade de uma consulta livre, prévia e informada, conforme estabelecido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
“Esta decisão é um reconhecimento da violência concreta e simbólica que foi projetar e empreender uma intervenção significativa sem respeitar a territorialidade e a dinâmica de vida dos comunitários da Redinha”, afirmou Boaventura.
A Prefeitura do Natal tem um prazo de cinco dias para se manifestar sobre as medidas adotadas para garantir que a consulta seja realizada com a devida participação da comunidade tradicional. A expectativa é que a decisão do TRF5 reforce os direitos territoriais da comunidade da Redinha e estabeleça um precedente para futuras intervenções urbanas e turísticas que impactem comunidades tradicionais no Rio Grande do Norte.
Prefeitura diz que consulta à comunidade tradicional não impede projeto
Após a decisão judicial, a Prefeitura do Natal divulgou nota pública nesta quinta-feira 24, reafirmando que cumpre todas as exigências legais do processo e que a consulta “não confere impedimentos ao projeto público, desde que respeitados os direitos da comunidade e mitigados os impactos, como já vem sendo feito”.
De acordo com o Município, a requalificação da área ocorre por meio de uma Parceria Público-Privada (PPP), com o objetivo de transferir a prestação de serviços à iniciativa privada por tempo determinado. “O propósito da concessão via PPP do Mercado da Redinha é, como já amplamente divulgado, a transferência da prestação do serviço à iniciativa privada por prazo determinado”, informou a gestão municipal.
A Prefeitura também destacou que a consulta à comunidade está prevista na legislação, mas ressaltou que isso não inviabiliza o projeto. “O instrumento de participação democrática, entretanto, não confere impedimentos ao projeto público”, reforçou. Ainda segundo a nota, o Município “cumpre integralmente, no processo, o seu dever legal de ordenar o espaço público com foco no interesse público primário, promovendo inclusão produtiva, desenvolvimento sustentável e valorização cultural local”.
Em resposta às críticas sobre a falta de diálogo com os atuais permissionários e moradores da área, a Prefeitura argumenta que está dando tratamento prioritário à população diretamente afetada. “Os atuais permissionários e ocupantes, bem como a comunidade local, estão recebendo tratamento prioritário ao longo do processo. Até em respeito à história local e em obediência às normas estabelecidas que oferecem garantias aos permissionários, dentre elas o direito de permanência temporária (com possibilidade de prorrogação)”.
Comerciantes amargam prejuízos com Mercado da Redinha fechado
Fechado há quatro meses, o Mercado da Redinha segue sem previsão de reabertura definitiva. O espaço, que ficou fechado por dois anos e meio para receber obras de R$ 25 milhões, foi reaberto no fim de 2024 para um festival gastronômico, mas voltou a fechar após poucos dias de funcionamento. Depois da pressão de comerciantes, o local voltou a abrir em 7 de fevereiro, fechando novamente em 9 de março.
Desde então, permissionários enfrentam dificuldades financeiras e cobram prioridade da Prefeitura. “Está horrível. A gente não tem para onde ir. Se chover, não tem onde botar um cliente. Alugamos uma casa com valor alto, porque aqui não tinha um canto para fazer uma cozinha. Estamos sobrevivendo, não vivendo”, desabafa Ronaldo Júnior, permissionário que hoje trabalha improvisado na praia.
Segundo o permissionário, o mercado foi inaugurado duas vezes e fechado em ambas, sem que a estrutura fosse aproveitada. “Já faz anos que está fechado. Foi inaugurado duas vezes, mas já faz 4 meses que está fechado depois da inauguração”, relatou. Ronaldo também criticou o que ele classificou como falta de prioridade da gestão municipal.
A Prefeitura do Natal afirma que está finalizando os estudos de viabilidade jurídica, econômica e financeira para a concessão do Mercado da Redinha à iniciativa privada, por meio de uma Parceria Público-Privada (PPP). A expectativa é que o novo edital de licitação seja lançado após a conclusão dos estudos, o que está previsto para as próximas semanas. A primeira tentativa de concessão foi frustrada: não houve empresas interessadas.
Enquanto a concessão não avança, a ginga com tapioca — patrimônio imaterial do Rio Grande do Norte — perdeu seu principal ponto de venda. O pescado, antes comercializado no mercado, agora é vendido em outras feiras e praias da cidade. Permissionários seguem recebendo um auxílio emergencial de R$ 1.200, considerado insuficiente diante dos custos e prejuízos acumulados.
O equipamento ocupa uma área de 16.580,60m² e ganhou espaço para a montagem de sete restaurantes e 33 boxes de venda, além de um deck panorâmico com vista para o Rio Potengi e para o mar. Todo entorno do local também recebeu investimentos, com obras de mobilidade urbana, modernização do mobiliário e iluminação pública em LED.