Problemas no Forte simbolizam descuido com preservação da história no Estado

O Forte dos Reis Magos, em Natal, é considerado o marco inicial da capital potiguar. Apesar de sua importância histórica, o monumento tem desafios que podem comprometer a experiência de visitantes interessados em conhecer a história do Rio Grande do Norte a partir da edificação militar. As dificuldades, porém, não afastam os turistas: em média, 5 mil pessoas visitam o local mensalmente.

A reportagem do AGORA RN esteve na fortaleza nesta terça-feira 19 para verificar a situação. Há desgastes físicos visíveis no monumento: a placa de identificação está com pontas quebradas; as rodas de dois canhões militares e a mão de um dos magos estão danificadas; e quatro extintores de incêndio estão prejudicados. Além disso, a acessibilidade é limitada pela falta de placas informativas em braille para pessoas com deficiência visual.

Sobre os canhões, a Fundação José Augusto (FJA), órgão estadual que administra o espaço, afirma, em nota, que está abrindo um processo para substituir as rodas em outubro. Um estudante quebrou a mão da estátua, mas a fundação diz que já convocou um restaurador para colar a peça novamente e que o reparo deve sair nesta semana. “As novas placas terão informações em braille. Sobre os extintores, estamos aguardando a licitação para reposição de extintores para todos os equipamentos”, completa a nota.

Novos reparos dependem da dotação orçamentária, afirma o órgão estadual. Para 2026, a FJA prevê reparos de combate a incêndio, manutenção elétrica, reboco e pintura. Qualquer intervenção no espaço precisa ser aprovada e fiscalizada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), pois o Forte é um bem tombado em nível federal desde 1949.

Neste ano, a FJA aderiu a uma nova política de cobrança de ingressos (R$ 10) para visitantes de outras cidades, com meia-entrada (R$ 5) para alguns públicos e gratuidade para moradores da capital potiguar e para guias de turismo cadastrados no Cadastur/RN que estejam acompanhados de visitantes. A Fundação afirma que não houve queda de público após a adoção da taxa de entrada. Segundo o Governo do Estado, toda a arrecadação é revertida para a manutenção e a valorização do patrimônio histórico.

“O fluxo permanece estável, com picos de demanda nos meses de julho, dezembro e janeiro, quando há maior presença de turistas. Durante o ano, a média de visitação é de cerca de 5 mil pessoas por mês”, incluindo instituições de ensino, diz a entidade. A última reforma do monumento ocorreu em dezembro de 2021, e o Forte foi reaberto ao público em janeiro de 2022.

História do monumento

A edificação militar histórica foi fundada em 25 de dezembro de 1599. A sua data inicial de construção foi 6 de janeiro de 1598, o Dia de Reis que marca o fim do período natalino e inspira o nome do monumento. Inaugurado como Fortaleza dos Santos Reis, o Forte está próximo à ponte Newton Navarro, que liga as zonas Leste e Norte de Natal.

“A fortaleza representou a consolidação do domínio português sobre o território que um dia viria a se chamar Rio Grande do Norte”, diz Henrique Lucena, professor e historiador. “A relação entre a estrutura militar e a cidade de Natal era que esta se complementava ao Forte no processo de domínio espacial do território delimitado pelos portugueses”, explica.

Na visão do professor, a maioria dos potiguares sabe da existência do equipamento turístico, mas muitas dessas pessoas nunca o visitaram nem “conhecem diversos significados políticos, ideológicos e militares efetivos desempenhados pela fortaleza durante séculos”.

O Forte dos Reis Magos abriga algumas curiosidades. Durante a dominação holandesa, no século 17, já se chamou Kastell Keulen. O monumento foi construído por ordem de Felipe II, rei da Espanha e Portugal durante o União Ibérica. Além disso, o Forte já foi prisão e estação meteorológica.

Foi projetado pelo arquiteto jesuíta Gaspar de Samperes. “No centro da fortaleza existe o que sobrou de uma capela. O interessante é que o paiol da fortaleza ficava na torre da igreja, o que dá uma ideia de contradição entre o religioso cristão e a guerra”, diz Lucena.

Já houve trocas de administração entre o Iphan e a FJA. Em maio de 2017, o Forte retornou à gestão estadual com uma cessão inicial de 20 anos, após quatro anos sob a administração da autarquia federal. Em seu acervo, destacam-se canhões militares e o Marco de Touros, que assinala a posse portuguesa da Terra de Santa Cruz. O Forte dos Reis Magos funciona de terça a domingo, das 8 h às 16 h.

Estado de conservação é adequado, diz professor

Para Henrique Lucena, o Forte apresenta estado de conservação adequado às visitações. O professor visita o monumento com certa regularidade e defende sua importância em âmbitos turístico e identitário. A relevância histórica e educacional do espaço, de acordo com ele, pode atrair turistas que não estejam interessados apenas em praias e dunas, cartões-postais de Natal, mas também no patrimônio histórico.

“Do ponto de vista identitário, é importante perceber como a arquitetura se estabelece a partir de narrativas históricas e disputas ideológicas: a fortaleza marca a dominação efetiva do ponto de vista da ocupação do território colonial. Do ponto de vista educacional, [é possível] perceber a colonização como uma necropolítica representada pela fortaleza em relação às populações indígenas”, explica.

O professor defende uma compreensão estratégica sobre turismo, história e educação. Ele diz que é importante que os visitantes tenham atividades educacionais, artísticas ou de economia criativa que possibilitem sua permanência no espaço por mais tempo.

A potiguar Sumaya Silva, que visitou o Forte nesta terça-feira 19, elogiou o espaço e afirmou ao AGORA RN que investir no monumento é “um investimento em conhecimento”.

Ela disse sentir falta de informações escritas em algumas das salas – por exemplo, ficou curiosa em saber como era a rotina dos holandeses – e argumentou que é importante conhecer a história local para entender a sociedade. A reportagem observou salas com bonecos que representam personagens históricos sem identificação.

Guias de turismo

Quatro guias de turismo autônomos, credenciados no Ministério do Turismo, trabalham no Forte dos Reis Magos. Um deles é Manuel Nascimento, que atua na fortaleza há cerca de 20 anos e em outros pontos turísticos. Ele conta que o passeio apresenta diversos aspectos históricos e que os profissionais têm que se atualizar para responder às curiosidades dos visitantes.

“Aqui, uma história puxa a outra. Eu sou guia do Forte, eu tenho que saber sobre tudo daqui. Só que, quando chega lá em cima [na parte superior do monumento, com vista para a praia, para a ponte Newton Navarro e para o Potengi], eu falo do rio Potengi, por exemplo”, diz Nascimento. “E a gente aprende com o turista também”.

A visita guiada dura cerca de 40 minutos. Para acessar esse serviço, o visitante deve pedir por ele na bilheteria e pagar uma taxa de cerca de R$ 50 por família, grupo ou casal. Grupos maiores também podem usufruir do serviço – no final do tour, quem gostou do serviço contribui com o valor que quiser.
Mesmo com a cobrança da taxa de entrada, o guia observa que a visitação seguiu o mesmo fluxo. Nascimento opina que o investimento de R$ 10 é irrisório para a maioria dos turistas, que pagam mais em outras atrações e se encantam pela beleza natural que circunda o monumento.

Esta reportagem inaugura a série “Retratos de nossa história”, que resgata pontos fundamentais da cultura e da história de Natal e do Rio Grande do Norte e busca entender como o patrimônio público local é tratado.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *